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O Informador

Sob Céus Vermelhos | Karoline Kan

Quetzal Editores

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Título: Sob Céus Vermelhos

Título Original: Under Red Skies

Autor: Karoline Kan

Editora: Quetzal Editores

Edição: 1ª Edição

Lançamento: Março de 2020

Páginas: 304

ISBN: 978-989-722-465-2

Classificação: 5 em 5

 

Sinopse: Muito na linha de Cisnes Selvagens, de Jung Chang, mas tendo como objeto a China das novas gerações, este é um relato não ficcional e na primeira pessoa, com digressões para o passado (político e familiar) e a observação das múltiplas vertentes sociais e culturais da história moderna da China, em constante mudança. 

Karoline Kan está na vanguarda dessa mudança: nasceu em 1989, como segunda filha - ainda durante a vigência da Política do Filho Único - numa China rural. Chegou ao ensino superior e conquistou a autonomia económica sem ter de se casar e fazendo o trabalho que escolheu: escrever para revistas e jornais de prestígio internacional. As grandes referências de Karoline Kan são Jung Chang, Xinran e Xiaolu Guo - todas elas autoras publicadas pela Quetzal.

 

Opinião: Sob Céus Vermelhos é um retrato de uma jovem millennial perante a vida familiar das últimas gerações. Nascida na época do 04 de Junho, o massacre da Praça Tienanmen, e passando parte da sua infância em duas pequenas vilas até que conseguiu uma mudança para a cidade e posteriormente para Pequim, onde atingiu a sua liberdade com a entrada para a universidade. Num grande testemunho sobre a política e cultura chinesas ao longo de gerações, com todas as alterações comportamentais que se foram sucedendo. Nesta narrativa o leitor é convidado a fazer uma viagem real e intimista pela história familiar de Karoline Kan, o nome que Chaoqun adotou, enquanto viaja pelos costumes ocidentais.

Logo de início senti grande empatia com o modo como tudo é relatado. As várias questões que se foram levantando ao longo dos tempos são mencionadas nesta narrativa de forma crítica, como é o caso da política do filho único, perante a qual Chaoqun passou por ser a segunda filha do casal, para mais menina, tendo sido paga uma coima após o seu nascimento e sempre ser considerada como uma "criança negra", por não ser bem-vinda. Os abortos na segunda gravidez quando já existia um menino eram obrigatórios e tudo era vigiado através de um sistema de planeamento familiar. Com dois filhos, e sendo o mais novo uma menina, a família ficava mal vista perante a sociedade, ajudando na decisão deste núcleo a mudar-se da vila para a cidade com as perspetivas também de uma mudança económica. Chegados à cidade era considerados migrantes com vários pontos de marginalização, existindo uma grande discriminação na altura entre quem sempre viveu na cidade e quem surgia das aldeias na busca de novos lugares e empregos. 

Neste retrato social de décadas existe espaço para muitos outros temas, tal como a religião proibida porque a lei do governo é a base. A morte em que um dos pares falecendo ficar em cinzas em espera que o seu cônjuge parta para voltarem a estar juntos. O envio de dinheiro como forma de ajuda entre familiares, mesmo que distantes para a ajuda das cerimónias fúnebres. Estes são alguns dos destaques deste livro de outros tempos. Já no presente o interesse continua pelo mesmo patamar por existir o debate entre a internacionalização, os empregos, a língua e os relacionamentos intercontinentais e também geracionais. 

Vírus de 2002 semelhante ao Covid19

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As leituras conseguem quase sempre chegar ao leitor com pontos desconhecidos e que ficamos a conhecer por vezes com alguma surpresa. Isto aconteceu com a leitura de Sob Céus Vermelhos, uma obra da autoria de Karoline Kan, lançada entre nós pela editora Quetzal. Através da reconstrução da história de três gerações da sua família e da própria China, a autora recorda e retrata os tempos e as mais variadas situações pela qual foram passando. No entanto e o que me surpreendeu foi mesmo a semelhança entre o atual Covid19 com uma doença que afetou a China na época de 2002/03.

Com o nome de SRA, que é como quem diz, síndrome respiratória aguda, esta epidemia afetou várias regiões do país, tratando-se de uma epidemia mortal. Pesquisei e confirmei os factos contados pela autora que passo a citar, «se dizia que se podia contrair a doença falando com alguém infetado. Ficava-se febril e com tosse, com dores musculares, e o sistema imunitário entrava em colapso numa questão de dias. (...) As pessoas queriam evitar ajuntamentos e contágio. A sombra da morte pairava sobre a minha cidade e muitas outras. (...) A doença parecia um monstro invisível, à espreita na sombra, que podia assomar e comer-me a qualquer momento. (...) Todos os dias era registada mais de uma centena de vitimas. (...) A saída só era permitida por razões de força maior, que tinha de ser aprovada pelo chefe. As escolas de Pequim foram encerradas, e os alunos tinham de estudar em casa através de vídeos online.».

Tenho a confessar que desconhecia que este surto tinha acontecido e quando comecei a ler e a perceber cada descrição fui de imediato pesquisar, percebendo que na verdade no início dos anos 2000 isto tinha acontecido, tendo mortalizado milhares de vidas, num surto que se ficou maioritariamente pela China na altura. Infetados através da transmissão de gotículas expelidas pela tosse e espirros, febre e dores musculares foram também os principais sintomas que levaram ao isolamento, necessidade de apoio respiratório e uma percentagem de mortes acima de uma gripe normal. De 2002 para 2020 passaram dezoito anos e a transformação do vírus voltou numa pandemia global com efeitos bem mais catastróficos. Mais uma vez nada parece ser novo e até na doença as transformações acontecem, num vai e vem, existindo alterações nos vírus que acabam por coabitar e adaptar-se aos novos comportamentos de todos nós.