Alice, o outro lado da História
Alice é o seu nome, e o País das Maravilhas a aventura mais conhecida inspirada nesta criança que tem muito mais para ser contado para além das histórias criadas em torno de um mundo mágico recheado de mensagens bem reais sobre os comportamentos humanos. A bYfurcação Teatro pegou na criação de Lewis Carrol inspirada em Alice Liddel e idealizou, criou e levou a cena Alice, o outro lado da História, através de uma experiência de teatro imersivo bem conseguida.
Inspirando num dos contos que mais sucesso fizeram e continuam a fazer pelo Mundo, Alice foi a menina dos olhos de Lewis, o autor de sucesso que não se ficaria só por ai. Lewis gostava de fotografar crianças, somente meninas, em trajes menores ou mesmo nuas e embora tivesse vários registos fotográficos ao longo da vida nesse sentido com várias jovens figuras, foi com a menina Liddel que as coisas podem ter seguido mais além. No século XIX e em Inglaterra, a cultura vivia muito da aparência e uma criança pousar para a objetiva não era levado a mal, principalmente quando existia a autorização familiar para tal acontecer. No entanto será que entre Alice e Lewis não existiu algo mais do que cumplicidade ao longo dos anos de amizade, carinho e fanatismo mútuo?
Em Alice, o outro lado da História, em cena no Pavilhão 30 do antigo Hospital Júlio de Matos, o público é convidado a assistir ao julgamento deste caso real e sobre o qual ainda existem registos fotográficos. O tribunal, o ambiente familiar e o hospício são retratados ao longo da ala hospitalar que todos somos convidados percorrer no seguimento de personagens bem conseguidas, numa história que se baralha entre o avanço e recuo temporal num forte ambiente entre as vontades, o drama, verdade, mentira, amor, lealdade, sofrimento e imaginação que são levados por vezes ao extremo.
Um elenco com grandes capacidades para surpreender ao longo de um espetáculo construido de raiz para se desenvolver no centro de uma ala hospitalar. Existe a destacar o desempenho de Isabel Guerreiro, a grande Alice, que sempre presente ao longo de mais de duas horas de sessão, consegue sair do bem-estar para viver o inferno com uma capacidade exímia. A par da Isabel destaco também, mas aí sem grande novidade, o excelente desempenho de Sofia Nicholson e Paulo Miguel Ferreira, que com duas personagens consegue ter o tom certo, a expressão adequada e a presença exigida a cada momento em que a acção está do seu lado. Todo o elenco está num nível bastante elevado, mas existem sempre, ao longo de cada espetáculo os que nos conseguem chamar um pouco a atenção talvez também pelas características das personagens.
Da criação à realidade dos factos, Alice, o outro lado da História é uma das produções que todos deverão assistir, numa aposta ganha e bem conseguida da bYfurcação Teatro que não teve medo de arriscar. O público é convidado a não estar sentado para que percorra os vários cenários possíveis para que esta história aconteça e é ai que encontramos toda a magia, um pouco pesada, desta história recontada e vivida por quem consegue entrar nos pensamentos da menina Liddel, na persuasão de sua mãe e nas crenças amorosos de Lewis. No final cada um fará a interpretação dos factos e da história, ficando com o seu próprio julgamento sobre a culpa ou não culpa dos atos de um homem para com uma criança sonhadora e inspiradora.