Rita Ribeiro está no palco do Cinema São Jorge com a peça tão aplaudida Gisberta. O Informador teve a honra de assistir ao regresso deste espetáculo a Lisboa e por vezes faltam as palavras após o momento do adeus de cena.
O caso que chocou o país em 2006 onde um jovem foi brutalmente assassinado por um grupo de adolescentes na cidade do Porto é agora mostrado, através dos desabafos da entrevista da sua mãe, através da peça Gisberta, excelentemente interpretada por Rita Ribeiro. Um projeto que começou com um mini espetáculo de 15 minutos pelo extinto Teatro Rápido, teve rapidamente a boa adesão do público e o aplauso da crítica, fazendo com que o mesmo fosse transformado numa peça de maior duração que tem percorrido os palcos nacionais e levado a plateia aos aplausos sobre o trabalho que pode agora ser visto de novo em Lisboa.
Neste comovente e verídico espetáculo encenado por Eduardo Gaspar, Rita Ribeiro entrega-se a esta mãe que sofreu com as mudanças que o «seu menino» foi tendo ao longo da sua curta vida. Com vários abortos, a mãe «do menino» conseguiu pela sexta vez trazer uma criança ao mundo, tendo um filho que passado uns anos começou a mostrar que não queria ser chamado como sempre tinha sido apelidado. Nascer dentro do corpo errado e estar no sítio imperfeito para se viver, numa luta contra si próprio e os preconceitos sociais. Cedo esta mãe percebeu que existiam segredos por contar e que algo teria de ser feito para mudar a trajetória que estava a ser percorrida onde o «menino» queria ser chamado por Gisberta.
Com auto reprimendas, conflitos para com os outros rapazes, o jovem percebeu que tinha de fugir do mundo onde cresceu e se isolava, partindo para um país desconhecido onde enfrentou outra vida, aquela que omitia da mãe e aquela que tão bem sempre floreou ao telefone. O acidente aconteceu, as verdades sobre a falsa vida apareceram e o sonho de ter um filho terminou aí também.
Gisberta sempre lutou para ser visto como mulher, tendo colocado a sua masculinidade de lado, o que nunca foi aceite pela sociedade que o recriminou até à fatal morte onde os culpados continuam por aí como se nada tivessem feito.
A mãe, uma mulher sozinha, isolada, dentro do seu próprio casulo, conta tudo, mostrando ao jornalista as fotografias que o seu «menino» recortou de si pela figura com que não se identificava. Com uma excelente presença em palco, Rita Ribeiro leva este drama à sensibilidade que o tema enfrentou na altura. Só tenho coisas boas a dizer sobre o espetáculo de uma hora a que pude assistir porque do início ao fim, em modo crescente, a sua interpretação é levada ao limite, terminando com a atriz em lágrimas, com gritos sentidos de dor, pelo palco porque o «menino», como tanta vez lhe chama, seguiu um caminho que o conduziu à morte pelos rapazes estrangeiros para si.
Um trabalho comovente, perfeito, com uma grande carga dramática e que mostra como o teatro consegue transmitir ao seu público tão perfeitas emoções, fazendo prevalecer a ideia de que os bons espetáculos conseguem sempre suscitar opiniões e pensamentos pelos próximos dias sobre quem somos e o que procuramos nesta vida efémera onde as escolhas de hoje fazem os seres do amanhã.
Rita Ribeiro interpreta a história ficcional, com contornos realistas, da mãe da transexual Gisberta, que foi morta barbaramente no ano de 2006, na cidade do Porto, vítima da violência de 14 jovens internos de uma instituição católica. Durante a peça, ela vai relatando a um jornalista fatos da vida do “seu menino”, desde a infância até o momento em que parte do Brasil em busca do seu direito de ser vista e respeitada como mulher. Fala da sua dificuldade em aceitar a identidade de género do filho e das várias tentativas de o dissuadir, ainda na infância, a não seguir um caminho por ela e por muitos considerado “anti-natura”; fala da saudade que sente do “seu menino”; do arrependimento por tê-lo deixado partir... Mas no discurso desta mãe, por um lado delator da sua tristeza, há uma ternura que revela o amor incomensurável desta mãe pelo seu filho. Um sentimento que se mistura à revolta contra àqueles que mataram o “seu menino”, e a uma subsequente negação à Deus. A personagem também assumirá a sua parcela de culpa por nunca ter sido capaz de realizar o desejo mais fulcral do "seu menino": ser tratada por Gisberta.
Local: Cinema São Jorge - Lisboa
Horários:
QUINTA A SÁBADO - 22H
DOMINGO - 17H