O Teatro Aberto surpreende-me cada vez mais com as suas apresentações e agora com O Preço em cena só posso dizer que o que estava bom nos espetáculos anteriores foi superado e em grande escala.
Não posso começar com este texto de opinião sobre este espetáculo sem falar do espantoso cenário que logo nos primeiros minutos me conquistou e com o passar do tempo e através da descoberta da profundidade do mesmo e dos seus pequenos pormenores fiquei a perceber que este é o melhor pano de fundo que já vi em palco pelas várias salas em que pude assistir a bom teatro. Um cenário belo, inspirador e que mostra bem a realidade das quatro vidas que por ele se cruzam! Peças antigas que pretendem ser vendidas estão espalhadas pelo palco e fazem deste um sótão com a placa «vende-se» a descoberto para o público que se encontra bem acomodado à sua frente.
Quanto aos atores, a escolha não podia ser melhor. Com a bela São José Correia a mostrar como uma mulher de sonhos matrimoniais luta para a sua mudança de vida, mostrando-se a atriz com uma performance tal como eu imaginava por já admirar o seu trabalho e nunca ter tido anteriormente a oportunidade de a ver em palco. Um Marco Delgado com um homem derrotado pelos outros, que a sua vida feita de contas apertadas e onde o hoje é o mesmo do ontem e será igual ao amanhã... Delgado para mim estava no mesmo nível da São, mas agora ambos provaram-me o que valem na representação... Muito! João Perry dispensa apresentações e através deste velho negociador de artes e velharias mostra isso mesmo... Um homem do palco que sabe tão bem entreter e que tem consigo a personagem ideal da descompressão em cena quando o ambiente está pesado entre os restantes. Perry é a grande alma de O Preço, sem dúvida! Finalmente, António Fonseca, o ator mais desconhecido para mim do quarteto mas que não me deixou de conquistar... Com uma personagem de um outro calibre e com pose, António consegue mostrar excelentemente o seu poder sobre toda a vida familiar que foi acontecendo ao longo dos anos e todas as razões da separação dos dois irmãos terem acontecido. Fonseca tem para mim a peça chave do espetáculo quando me deixou pegado ao palco através da sua explicação das razões que levaram à vida de sacrifício do irmão, quando tudo podia ter sido diferente se existissem ambições do outro lado como aconteceu consigo.
Mas o cenário e os atores não podiam fazer um espetáculo deste calibre sem o excelente trabalho de Arthur Miller que se mostra ser um autor soberbo. Dois irmãos de costas voltadas encontram-se para a venda de peças antigas deixadas na velha casa do seu pai. Mas como os reencontros familiares nem sempre correm bem, depressa se percebe que existe um preço a pagar pelas opções que foram sendo tomadas ao longo das duas vidas que os dois irmãos seguiram, tão diferentes entre si. As decisões que se tomam transformam as pessoas e se por um lado um tudo teve e disponibilizou para seu próprio bem, por outro, existe o ser racional que pensa nos outros e que é em função disso que vive, fazendo com que os seus objetivos não passem de sonhos por concretizar e que ficam recalcados com o passar do tempo. A luta pelo dever e o haver faz toda a diferença porque enquanto uns triunfam os outros ficam para trás, ficando no grupo dos derrotados pela sociedade e por si próprios. Uma luta pessoal e que muda duas pessoas que cresceram no mesmo ambiente mas que foram tomando opções diferentes e que nunca mais conseguiram ser irmãos com o mesmo poder de escolha. Sem dúvida que O Preço tem um texto bem elaborado e fácil de ser entendido e aliando as cenas de tensão com o toque de comédia e de emoção, está aqui um excelente trabalho de autor que já encheu salas através desta sua grande obra.
O Preço coloca em palco as dúvidas existenciais sobre a luta por uma vida melhor, mesmo que para isso se tenha que esquecer os outros e vir a sofrer um dia. Mas existe sempre um preço para os caminhos que se seguem e se uns o pagam de uma vez, os outros vão tendo a tormenta de espadas ou o sucesso consigo ao longo de muito tempo, no entanto, nem sempre o que corre hoje correrá amanhã e tudo pode mudar e ajudar a perceber que nem sempre as escolhas feitas foram as adequadas!
O Preço não é um simples espetáculo, é um bom trabalho de autor, de atores e de equipa técnica porque o que pode ser visto no Teatro Aberto é mais do que as palavras e os gestos significam, é a história criada que transporta os espetadores para o pensamento sobre o valor que as suas opções têm ao longo do seu caminho!
«Até 28 de Julho - O Preço, de Arthur Miller, encenação de João Lourenço
FICHA ARTÍSTICA
Versão João Lourenço | Vera San Payo de Lemos
Dramaturgia Vera San Payo de Lemos
Encenação e Luz João LourençoCenário António Casimiro | João LourençoFigurinos Dino AlvesSupervisão audiovisual Nuno Neves
Com António Fonseca | João Perry | Marco Delgado | São José Correia
SINOPSE - Nova Iorque, 1968. Dois irmãos voltam a encontrar-se, dezasseis anos depois da morte do pai, para desocuparem a casa que deixaram intacta ao longo de todos aqueles anos. Um velho avaliador vem dar-lhes um preço pelos móveis e objectos de que se querem desfazer. No entanto, a transacção não é tão simples como imaginaram: todas aquelas coisas fazem parte da história da família, estão repletas de memórias e obrigam-nos a confrontarem-se com o passado e com as escolhas que fizeram na vida.
Qual foi o preço dessas escolhas? Qual é o preço das contas que ficam em aberto? Entre o deve e o haver, o que se perde e o que se ganha? Neste encontro cheio de emoções, debatem-se as grandes questões da vida, com a esperança sempre acesa de uma maior compreensão do que é profundamente humano.»