A Lacuna não é um livro, é algo mais que isso, e depois de ter estado várias semanas, para não dizer mesmo meses, pela prateleira da minha mesa-de-cabeceira à espera de ser lido, quando o puxei para me fazer companhia durante uns dias não sabia que me ia sentir tão bem ao ler esta obra de Barbara Kingsolver. A Lacuna é um dos melhores livros que li nos últimos tempos e embora a história pareça ser pesada, só posso dizer que o que é relatado entre a ficção e a realidade é algo de verdadeiramente arrebatador que conquista qualquer leitor sedento de boa informação e de um bom romance contado em jeito de diário.
Com Harrison Shepherd como protagonista e relator da sua história de vida onde as personagens históricas - Frida Kahlo, Diego Rivera e Trotsky - de quem pouco sabia, mas que fiquei a conhecer e com uma outra ótica das suas vidas, entrei no mundo mexicano ao longo dos anos 20.
A leitura de A Lacuna foi para mim como uma aprendizagem de uma parte da história do México e das figuras que marcaram as artes na altura. Com Shepherd conheci um jovem ambicioso e talentoso, mas que não existiu porque foi uma personagem criada pela autora, mas fiquei a saber como os artistas da época se sentiam e viviam para com a sociedade em guerra partidária.
Harrison Shepherd é um daqueles personagens que aparecem uma vez na carreira do seu criador e conquista quem o acolhe de uma maneira soberba. Eu tenho que confessar que tenho vários elementos que me ligam a esta criação, pela força que fui vendo, pelas opções que foram tomadas, pela energia e pelo acreditar que tudo pode mudar e que vai ser tudo tão bom um dia, quando se conseguirem conquistar vários objetivos ao longo do nosso percurso na terra. Com Harrison percebi que lá atrás na história os apelidados de artistas também sofriam com as suas opções e pelos caminhos que optavam por seguir, mas no fim percebi que quando muito se quer, consegue-se, nem que para isso se tenha que alterar o rumo previamente traçado e que se tenha que começar tudo de novo.
Este livro é o relato de uma época e de pessoas que o tempo foi transformando e empurrando para outras situações e por vezes é com a solidão que se percebe na perfeição de quem somos e com que sonhamos.
Tal como diz no comentário feito pelo jornal Independent que vem em destaque na capa desta edição do Clube do Autor, «De vez em quando lemos um livro que faz com que tudo o resto pareça pouco importante - é o caso deste romance.»
Sinopse
México, 1935. Harrison Shepherd trabalha em casa do muralista Diego Rivera e da sua mulher, Frida Kahlo, com quem estabelece uma amizade profunda e duradoura. Por vezes cozinheiro, outras vezes secretário, mas sempre observador, o jovem regista todas as suas experiências em diários e cadernos. Quando o líder bolchevique Trotsky se refugia em casa dos artistas, Shepherd vê-se inadvertidamente impelido por ele e o seu objectivo de levar uma vida invisível fica pelo caminho. Mais tarde, de volta aos Estados Unidos, onde nasceu, Shepherd acredita que se pode recriar e reclamar a sua própria voz enquanto autor de romances históricos. Inesperadamente, vê-se vítima de um rumor, numa época dominada pela "caça às bruxas", que pode colocar a sua vida em risco… Um poderoso e importante romance acerca da identidade, da nossa ligação ao passado e do poder criativo e destrutivo das palavras. Ganhou o Orange Prize for Fiction.
Harrison Shepherd foi relatando a sua vida em cadernos de vários formatos e feitios, eu tenho feito o mesmo por aqui com O Informador. Será que um dia conseguirei escrever um livro de sucesso como esta personagem da ficção? Eu queria muito!