O EU de Dulce Maria Cardoso
«A verdade é que a mudança aconteceu muitas vezes sem que eu quisesse ou sem que eu controlasse a direcção que tomava. A mudança foi quase sempre devagar, com o novo eu a empurrar lentamente o antigo até lhe tomar o lugar. Uma vez ou outra, fui apanhada por convulsões que me fizeram transitar bruscamente entre o que era e o que passei a ser. De qualquer maneira o processo é sempre o mesmo: um eu dá lugar a outro eu e depois a outro e a outro e a outro. Mas acredito que nunca nos perdemos, uns e outros, completamente de vista.»
Dulce Maria Cardoso
A primeira Granta Portugal logo me surpreendeu com o seu primeiro texto da autoria de Dulce Maria Cardoso. Sobre o mote do tema Eu, a escritora colocou mãos à obra com Em Busca d'Eus Desconhecidos e surpreendeu-me muito seriamente. Não conhecia nada desta autora e adorei este pequeno texto que quando chegou ao fim me deixou com a sensação de que queria mais e mais porque gostei tanto de perceber que de uma criança que queria ser «fumadola» nasceram diversos Eus que se foram substituindo ao longo da existência até se transformarem na mulher do presente.
Existem temas que não pensamos habitualmente, mas é uma certeza que ao longo da nossa existência somos um, todavia vamos substituindo a pessoa que existe no nosso interior por uma outra que nos torna diferentes do que éramos antes. Sucessivamente vamos crescendo com os outros e com as peripécias da vida e por aí vamos seguindo e vamos substituindo os nossos Eus por outros que nos completam cada vez mais nos vários presentes por que vamos passando.
Ao longo da nossa existência na terra vamos moldando a nossa personalidade consoante as vivências e com esta citação de Dulce Maria Cardoso isso é totalmente mostrado. À escritora agradeço por ter feito este pequeno texto para a Granta e também um obrigado ao Carlos Vaz Marques, o director, por o ter incluído no meu livro de cabeceira.