Filho da Treta
José Pedro Gomes só deveria voltar ao trabalho lá para o final do ano, no entanto o universo lançado ao lado de António Feio há alguns anos chamou por si através de Filho da Treta, desta vez na companhia de António Machado.
Numa comédia que vive muito da simplicidade, cumplicidade, improviso e também do momento, em Filho da Treta dá-se a continuação das conversas de sucesso que eram feitas entre Zezé e Toni ao longo de cada sessão. Neste novo espetáculo a Zezé junta-se Júnior, filho de Toni, e a base central da apresentação continua toda lá, no entanto ainda existem várias coisas a ter em conta e a aperfeiçoar ao longo das próximas sessões.
Num texto critico e atual, Filho da Treta vagueia pelos meandros da sociedade com vários comentários a surgirem ao mesmo tempo que várias situações caricatas vão sendo relatadas através do diz que diz entre as duas personagens que falam como amigos, confidentes e sabechões entre si sem que no entanto consigam estar ao mesmo nível devido aos anos de vida que os distanciam. Zezé, o cavalheiro lisboeta com anos de experiência com as mulheres, principalmente as alemãs, conversa com Júnior, o puto que tem muito para aprender mas também para ensinar ao amigo do seu pai, aquele que mal o conhecia.
Com um simples cenário onde duas cadeiras se destacam com uma bicicleta ao canto e luzes a revelarem os rostos dos atores, este espetáculo vive muito das expressões faciais, o que pode não jogar a favor junto do público que fique em filas mais distantes do palco. Com um texto simples, um pouco abaixo do que era feito outrora em Conversa da Treta, mas o tempo também mudou e hoje em dia é muito mais complicado agradar a gregos e troianos como antigamente, esta é daquelas peças que se vai ajustando através da aceitação e critica do público.
Ironia e boa disposição distinguem neste momento Filho da Treta da maioria do que é feito atualmente nos palcos nacionais. Com dois atores em palco, um simples cenário e a atualidade como destaque, vários temas chave são debatidos entre Zezé e Júnior, tal como os tuk-tuk nas cidades, a guerra entre taxistas e Uber, as barrigas de aluguer, as famílias homossexuais, emigração, impostos, fraude fiscal através do programa Simplex, as Off Shores, Ricardo Salgado e José Sócrates. As manifestações pelo debate entre o ensino público e privado e a igualdade de género protagonizada por Catarina Martins são temas que também não são esquecidos.
Neste espetáculo existe também espaço para um rápido momento musical com alusão à queda do Banco Espírito Santo, do Banif e a todas as complicações da Caixa Geral de Depósitos, sem esquecer Isabel dos Santos que tem comprado o nosso país.
No momento em que vivemos na era do eu e onde todos andamos viciados no mundo virtual, é de frisar o bom momento de comédia que é tido em torno do novo e velho telemóvel, onde nada e tudo pode ser feito num piscar de olhos. A tecnologia evoluiu e a diferença entre gerações a lidarem com esse avanço é notória e que boa é a conversa entre Zezé e Júnior sobre as redes sociais, as aplicações (app), as selfies, os Pokémons e os conhecimentos e encontros online.
Um espetáculo a ter em conta e que fará as delícias dos verdadeiros fãs do universo «da Treta» e onde a homenagem a António Feio é feita com diversas referências ao ator ao longo de toda a sessão, sempre de forma divertida como António gostava de estar em palco ao lado de José Pedro Gomes.
Antigamente, a vida era uma selva. Agora, a vida é uma selfie. Toda a treta se dispersou e cresceu nas redes sociais e os especialistas têm tido alguma dificuldade em encontrar a genuína conversa da treta. Mas quem é vivo sempre falece, e também sempre aparece. Nada se perde, tudo se transforma – o código genético da Treta renasce em 2016 com a assustadora e nada aguardada peça de teatro FILHO DA TRETA.
Zezé (José Pedro Gomes) prossegue a sua luta contra o bom-senso, a solidariedade, o trabalho e outros conceitos primeiro-mundistas, desta vez na companhia de Júnior (António Machado) que anda de bicicleta desmontável. Zezé, ao nível da deslocação, continua a polir a ponta do sapatinho de verniz com cuspe. Mas é um cuspe mais sábio...
Numa comovente irritação entre duas gerações perdidas, discutem-se as tascas gourmet, os refugiados, os paus de selfie, as novas famílias e outras pragas que assolam o mundo moderno deste saudoso bairro em vias de extinção.
Texto Filipe Homem Fonseca e Rui Cardoso Martins | Encenação Sónia Aragão | Música Bruno Vasconcelos e Nuno Rafael | Desenho de Luz Luís Duarte | Figurinos Fernanda Ramos | Produção Força de Produção
Com José Pedro Gomes e António Machado