Doida Não e Não! | Manuela Gonzaga
Autor: Manuela Gonzaga
Editora: Bertrand Editora
Edição: 5ª Edição - Fevereiro de 2018
Lançamento: Fevereiro de 2009
Páginas: 408
ISBN: 978-972-25-3557-1
Classificação: 5 em 5
Sinopse: A mulher que enfrentou Egas Moniz, Júlio de Matos e os sábios da época. Filha e herdeira do fundador do Diário de Notícias. Mulher do administrador do mesmo jornal, o escritor Alfredo da Cunha. Presa num manicómio por um «crime de amor». Os factos relevantes têm início em Novembro de 1918: era uma vez uma senhora muito rica que fugiu de casa, trocando o marido, escritor e poeta, por um amante. Tinha quarenta e oito anos, pertencia à melhor sociedade portuguesa. O homem por quem esta senhora se apaixonou, tinha praticamente metade da sua idade e fora seu motorista particular. Era herdeira do Diário de Notícias e a sua história chocou a sociedade da época.
Opinião: Maria Adelaide Coelho da Cunha apresenta-se socialmente como filha do fundador do jornal Diário de Notícias, sendo a presumível herdeira do império criado em torno da publicação. Casada com Alfredo da Cunha, jornalista e escritor que se torna no administrador do jornal de família de Maria Adelaide, o casamento perfeito é vivido perante toda uma sociedade no início do século XX.
Com classe, poder e sabedoria, Maria Adelaide e Alfredo da Cunha são o centro de inúmeros eventos sociais e culturais onde gostam de recebem no Palácio de São Vicente os amigos mais próximos e os conhecidos influentes que convém ter por perto nas lides sociais e políticas do país. Com grandes saraus de demonstração pública onde as letras e o teatro tomam lugar em representações bem formatadas para receberem e mostrarem grandeza perante os outros, o casal mostra ser coeso, apaixonado e um exemplo a seguir perante o modo de vida da época.
Embora dada aos outros e mesmo perante a criadagem, Maria Adelaide sempre seguiu a linha que lhe estava pré-destinada, até ao dia em que se acabou por apaixonar pelo seu antigo motorista, Manuel Claro, uns bons anos mais novo. Deixando marido e filho para trás, esta senhora da alta sociedade não temeu a falta de liberdade da época, seguindo o caminho que o coração lhe indicou, perdendo a vida requintada e de luxos que sempre teve para aprender a ser uma cidadã comum que resolveu enfrentar uma mudança total a favor da sua vontade.
Desaparecendo da vista de todos e deixando tudo para trás, levando consigo o pouco que conseguiu, sem luxos e dinheiro, Maria Adelaide seguiu os passos de Manuel Claro, cuidando e entrando num mundo que não era o seu. Do Palácio de São Vicente para primeiramente as ruelas de Lisboa, seguindo-se as passagens pelas aldeias do Norte, este exemplo de mulher sem medos para a época enfrentou a mudança, resistindo aos avanços de quem a quis contrariar, mas o castigo chegou.
Pouco depois do seu desaparecimento familiar e social, Maria Adelaide é encontrada por Alfredo da Cunha, que através de buscas profissionais conseguiu encontrar a mãe do seu filho que para si não se encontrava no seu perfeito juízo. Com manobras de poder possíveis na altura, esta mulher foi internada no Conde Ferreira, no Porto, um manicómio onde entrou como louca. Louca por ter desistido de tudo e amar verdadeiramente um homem comum, sem ambições e com pouco para lhe dar em troca, a não ser um amor real que ultrapassou ao longo do tempo barreiras. O tempo passa, Maria Adelaide consegue nunca cair no pressuposto de enlouquecer e a vida vai seguindo com esta senhora presa numa casa de doidos e a sua paixão numa cadeia como autor de um rapto e violações que não aconteceram.
A partir daqui começa uma luta de palavras onde as acusações são feitas diretamente através de publicações em jornais nacionais e locais com Alfredo da Cunha a fazer recurso do seu Diário de Notícias para mostrar a todos que a sua mulher está louca, através de artigos, crónicas e mesmo livros, como é o caso de Simplesmente Louca. Já Maria Adelaide usa outros serviços informativos nacionais como A Capital para mostrar que de louca pouco tem, sendo vitima de uma cabala montada para denegrir a sua imagem. Doida Não! foi o primeiro livro lançado da autoria desta suposta louca que não passa de uma guerreira exemplo para muitas outras e o filme começou com confrontos pela imprensa do antigo casal, onde também advogados, médicos pagos, onde se inserem Júlio de Matos e Egas Moniz, para alterarem os resultados dos processos e análises desta mulher e familiares começaram a mostrar o seu parecer publicamente através de crónicas e livros publicados dando conta das várias versões da história.
A história de Maria Adelaide Coelho da Cunha é uma verdade que aconteceu entre nós há um século atrás e que mostra como na altura era difícil seguir contra os ideais estabelecidos para uma mulher. Hoje esta vida de luta pelo amor é um exemplo de liberdade e de batalha pessoal perante os preconceitos sociais, sendo um exemplo para muitas mulheres que em pleno século XXI ainda se deixam ficar perante vidas onde não se enquadram mas que por falta de meios ou mesmo por medo de represálias vão vivendo em situações onde a felicidade não existe e o medo por vezes é estampado em cada rosto. Vivemos atualmente numa sociedade onde predomina a liberdade, no entanto essa mesma liberdade ainda continua enclausurada para muitos que continuam a viver a sua história consoante a mesma é escrita pela mão de outros e não pela sua própria vontade. Maria Adelaide é um símbolo de força e demonstração da vontade, marcando uma época e dando vida a uma autêntica novela da vida real na altura, desfolhada na imprensa onde muita tinta correu em torno desta mulher que de louca pouco teve.
Hoje fica a memória em vários trabalhos, entre eles este livro da autoria de Manuela Gonzaga, Doida Não e Não!, que através de pesquisa por documentos, cartas e conversas com alguns dos envolvidos e suas seguintes gerações sobre esta história, nasceu este registo bibliográfico contado em modo romance e documental ao mesmo tempo. Desde o primeiro momento em que coloquei os olhos pelas primeiras páginas de Doida Não e Não! que me senti preso a uma Maria Adelaide, que umas boas décadas mais tarde consegue manter a capacidade de conquistar o leitor perante a sua história de vida que em ponto algum coloquei em causa, ao contrário dos dados deixados e publicados da autoria de Alfredo da Cunha e seus companheiros de percurso que de tudo fizeram e inventaram para desacreditar esta mulher de armas.
Um livro apaixonante onde se juntam os escritos da época com as palavras de Manuela Gonzaga e que me arrebatou do início ao fim, tendo mesmo sentido necessidade de acalmar a sua leitura para que não encontrasse tão rapidamente o final de vida de uma mulher exemplo para tantas outras.
Acredito que quem pegar nesta história verídica que ficará rendido como eu fiquei para sempre preso a Maria Adelaide Coelho da Cunha, um exemplo de força para cada um criar o seu próprio caminho, mesmo quando todos parecem estar do outro lado.