Desapego literário
Afirmações e questões como «Deves ter tantos livros que os tens de começar a oferecer!», «Onde arrumas todos os livros que já leste?» e pedidos para mostrar as estantes onde coloco as leituras surgem ao longo do tempo e por consequência uma outra questão se levanta sobre o desapego literário.
Confesso que até aos dias que correm tento manter todos os livros lidos comigo, bem perto por casa, e mesmo quando empresto, um pouco em contradição, faço para que o devolvam rapidamente, só quando o livro pouco me diz é que o deixo partir mas fico com a memória que emprestei e não dei, embora as pessoas por vezes façam para não o devolver e quando sinto um maior desapego acabo por me fazer de esquecido.
O desapego para com os livros é algo que ainda não consigo fazer. Posso dar roupa, discos, sapatos e outros objetos que vão passando por mim, mas livros é daquelas coisas que uma vez lido fica comigo. Por vezes se me pedem um livro emprestado prefiro até dar a escolher entre a lista dos que estão em espera, sabendo assim que se não voltarem por falta de memória do outro lado, pelo menos não fico com o pensamento de que a história é tão boa e agora o meu exemplar, aquele com que partilhei algumas horas, partiu e está sabe-se lá onde.
Dizer adeus fisicamente a um livro é algo que me custa e mesmo só de pensar pareço ficar com um género de urticária, sabendo de ante mão que o livro vai e que além de não poder voltar, se regressar geralmente não vem nas condições com que foi.
Existirá todo um processo a desenvolver caso um dia tenha de deixar os livros para trás na vida por algum motivo menos bom. Aconteça o que acontecer, com mudanças ou não, a intenção é sempre levar os calhamaços atrás, mas por vezes existem acontecimentos na vida de cada um que nos levam a deixar o que de bom existe para trás, sobrando a memória dos momentos passados, neste caso entre o leitor e os seus amigos viajantes através das palavras.