A Imortal da Graça | Filipe Homem Fonseca
Título: A Imortal da Graça
Autor: Filipe Homem Fonseca
Editora: Quetzal Editores
Edição: 1ª Edição
Lançamento: Fevereiro de 2019
Páginas: 264
ISBN: 978-989-722-567-3
Classificação: 4 em 5
Sinopse: A idade é um posto e as mulheres do bairro lutam entre si pelo título de mais velha. Graça, jovem com o mesmo nome do bairro onde habita, é dama de companhia da Número Um, senhora centenária; só assim pode morar na Lisboa das rendas ridiculamente altas. Atores famosos de Hollywood aguardam o despejo ou a morte de mais um residente para poderem ocupar-lhe a casa. Gabriel ganhou o Euromilhões mas as obras de renovação do bairro formam um muro que o impede de sair e reclamar o prémio. Embeiçou-se por Graça e quer levá-la a jantar. Graça não quer sair; Gabriel não quer ficar. Do choque entre estas vontades nascerá a tragédia. A execução em câmara lenta prepara-se no palco feito de escombros. Uma cidade eternamente a arranjar-se para sair daqui, de si própria.
Opinião: A Imortal da Graça, da autoria de Filipe Homem Fonseca, nasce no coração de Lisboa, mais concretamente no bairro da Graça. Entre a antiguidade e história do típico bairro e a confusão dos tempos modernos onde o turismo tem levado a grandes mudanças territoriais e sociais na capital, e não só, de Portugal, este romance é acima de tudo um alerta para o caos em que se encontra atualmente o nosso país, principalmente as grandes zonas urbanas que vivem em função de quem vem de fora e dispensa os portugueses das suas casas e hábitos de sempre.
Neste romance tipicamente português um grupo de moradores é retratado enquanto cada um e já não tanto num todo vão tentando lutar pela sobrevivência. Numa cidade caótica e a pensar no dinheiro que vem de fora, vivendo para o turismo e arrancando a tradição dos recantos de cada bairro, A Imortal da Graça comenta de forma metafórica as alterações que, neste caso, estão praticamente a ser impostas em Lisboa através do mercado imobiliário que só tem o objetivo de pensar que tem de acolher quem vem de passagem, mesmo que aos poucos se comece a ter pouco para mostrar sobre as raízes dos portugueses. A expulsão dos bairristas das suas casas que viram locais para hospedarem quem vai e vem em poucos dias. Os que ficam começam a não sentir qualquer ligação com quem vai permanecendo, quebrando-se a necessidade de proteção e cuidado com o próximo, sendo que as relações entre vizinhos começam a ser frias pela incapacidade de inserção num espaço que gira a todo o momento. Viver a favor da economia e da boa imagem que tem de ser dada a quem está fora é o mal dos tempos modernos de quem governa a pensar que tem de receber bem e tratar mal quem está. Como sobreviver a todas estas alterações que fazem com que os mais velhos partam sem alegria, os que ficam no seu lugar são cada vez menos e começam a ser escorraçados das paragens que sempre conheceram porque é necessário criar um restaurante para os «outros» ou uns quartos para os ditos «outros» ficarem e conhecerem o bairro da Graça.
Neste livro a Graça não é só o retrato de um bairro, é a mulher que luta para sobreviver entre uma sociedade de interesses onde é somente um peão nas mãos de quem lidera um núcleo forte que quer arrastar o que era histórico e tradição para um passado recente mas que fica perdido cada vez mais no «ainda sou do tempo» em que um bairro lisboeta tinha os seus costumes, hábitos e companheirismo.
Com um grande sentido de humor, capacidade de colocar as palavras nas feridas do país através de uma caracterização cada vez mais real de um bairro português, Filipe Homem Fonseca criou em A Imortal da Graça uma história com tradições que ficam penduradas em histórias de amor e sofrimento, guerras e confusões, numa mistura de rostos que se atravessam uns perante outros sem qualquer tipo de envolvimento, tal como acontece na sociedade ou seja isto o que for, que vive em Lisboa. Entre calçadas antigas e trotinetas modernas, num misto de boas vindas que não podem ser transmitidas porque na verdade são cada vez menos os que esperam para felicitar quem chega, este romance vai para além desta designação, sendo sim um verdadeiro alerta em sentido critico sobre o caminho que Portugal está a seguir.