A Filha Estrangeira [Najat El Hachmi]
Bi ismi Al lah
(em nome de Deus)
Autor: Najat El Hachmi
Editora: Bertrand Editora
Edição: 1ª Edição
Lançamento: Abril de 2017
Páginas: 208
ISBN: 978-972-25-3371-3
Classificação: 4 em 5
Sinospe: Uma rapariga nascida em Marrocos e criada numa cidade interior da Catalunha aproxima-se da idade adulta. À rebeldia característica da juventude, ela terá de acrescentar um dilema: sair do seu mundo de emigrante ou permanecer nele. Um romance íntimo e honesto sobre a transição para a idade adulta, escrito em forma de monólogo interior, repleto de observações, histórias e memórias da terra natal da narradora, uma jovem viva e inteligente, apaixonada pela literatura e pela filosofia, completamente diferente do mundo iletrado e tradicional da mãe.
Acessível, por vezes engraçado, mas sempre íntimo e repleto de observações e pensamentos pertinentes. Um livro que fica connosco.
Opinião: Uma jovem que tem as suas origens em Marrocos mas que cresceu na Catalunha conseguirá algum dia viver consoante a tradição familiar e longe da liberdade ocidental a que se habitou ao longo dos anos? Esta é uma das principais questões de A Filha Estrangeira, a obra que retrata uma vida entre dois mundos bem distintos que acaba por gerar um mal-estar interior para com quem é forçado a conviver consoante crenças e comportamentos que não tolera.
A tradição, os costumes culturais e os receios são uma arma forte do povo marroquino que não quebra hábitos dentro do seu país, mas fora dele seguem as leis com receio do que os outros possam dizer, tudo para não melindrarem uma sociedade que tem as suas venerações e hábitos bem distintos. A nossa jovem protagonista é a contradição dentro da lei. Habituada à liberdade, mesmo com uma mãe tradicional e a repudiar as suas atitudes, sempre tentou conciliar os dois lados da balança para não defraudar os sonhos de uma mãe que sempre fez tudo pela filha, num local longe da família e onde sempre foi necessário lutar por um lugar melhor.
A trabalharem para casa, vivendo rodeadas de preconceitos, racismo e comportamentos chocantes para com a diferença, mãe e filha seguiram o seu percurso sem uma figura masculina por perto mas com a promessa de outros tempos que um dia, a jovem teria um primo à sua espera para contrair matrimónio e começa aqui a parte da narrativa que mais me prendeu.
Primeiramente pela obrigação de uma rapariga que já não vive em Marrocos em ter de voltar ao seio familiar para conhecer o homem que lhe foi prometido à nascença, homem esse que ainda é seu primo. Uma relação entre familiares desconhecidos graças à distância, sem amor e sem qualquer tipo de afeto mas que começou bem cedo quando foram prometidos. Já passando da idade aceite pela comunidade para se casar e ter filhos, a estrangeira volta ao seu país de origem para conhecer o primo que irá ser o seu marido. O casamento acontece e o homem que se encontra bem fora do ideal de marido pretendido por uma rapariga que em pouco tempo deixou de ser feliz e livre parte para a Catalunha para viver às custas da sua esposa, a mulher que se redime a satisfazer sem que fique satisfeita na cama e pouco mais.
De um momento para o outro e porque é pela felicidade da mãe que se age e pensa, a vida pretendida é levada pela obrigação das suas origens que a prendem a um ser que não suporta. Um verdadeiro choque cultural onde tudo o que foi vivido e sonhado parece ser deixado para trás pela rendição a factos que para nós parecem não fazer sentido, tal como para a jovem cujo nome desconheço.
Um dos factos que destaco nesta obra é a questão da proximidade física e intima que desconhecia por completo entre mulheres que entre mantas são como usadas pelas familiares e amigas mais velhas para satisfazerem as suas vontades. Este hábito descrito e com alguma relevância na obra deixou-me a pensar em como todas as obrigações e receios perante o poder masculino se acabam por refletir nos comportamentos entre a ala feminina de uma comunidade tão desligada às manifestações de afeto em público, mas que acaba por se deixar levar pelas vontades íntimas que não são aceites por outros povos mas que para aquela sociedade acaba por ser um segredo gerido entre paredes.
Este é daqueles livros que nos transporta para o mundo de confrontos interiores de uma jovem mulher que se sente a viver contra a sua vontade numa sociedade recheada de preconceitos dentro e fora da comunidade. Gostei e sem dúvida que este é um dos livros que fica na memória pela sua peculiar e real história, para mais escrita de forma tão verdadeira sem cansar que acaba por criar laços entre uma desconhecida e o leitor.
Lhamdu li-L lah
(graças a Deus)