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O Informador

As Três Sozinhas | Teatro Nacional D. Maria II

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Três criadoras e uma multidão de mulheres dentro delas. As reais e as outras, as desejadas e as outras, as bruxas e as outras, as da ficção e as outras. A pensar, a voar, a mastigar, a lembrar, a atear. De Circe a Medeia, com Sereias, Hárpias e Górgonas. Mais as três Moiras e a madrasta da Branca de Neve, Joana D’Arc e Ana Bolena. E Capicua, Elza Soares e Patti Smith, Pussy Riot, Femen e Guerrilla Girls. Sem esquecer Maria Lamas, Carolina Beatriz Ângelo e Maria Judite de Carvalho. Convocando Frida Kahlo e Agnès Varda, Virginia Woolf e Anna Akhmátova, Isadora Duncan e Marina Abramovic. Invocando Judite com a espada de Holofernes, Lorena Bobbitt com uma faca de cozinha, Valerie Solanas com uma pistola. Lembrando Eastwick, Salem e Aljezur, o Relatório Hite, o Teste Bechdel e o Ponto G. E ainda Simone de Beauvoir, Camille Paglia, Judith Butler, Angela Davis, Virginie Despentes, Betty Friedan, Maya Angelou, Rebecca Solnit, Malala Yousafzai, Gloria Steinem, Chimamanda Ngozi Adichie. A lista é interminável, uma longa espiral de mulheres a girar em torno de uma clareira na floresta à noite. Elas estão em chamas.

As mulheres ganharam espaço na Sala Estúdio do Teatro Nacional D. Maria II, em Lisboa, através da peça As Três Sozinhas, onde as atriz e produtoras desta produção Anabela Almeida, Cláudia Gaiolas e Sílvia Filipe dão vida a várias mulheres ao longo de cada sessão até ao dia 14 de Julho.

Ao longo de hora e meia de espetáculo as atrizes chamam a palco várias personalidades femininas do mundo do espetáculo para mostrarem como as personalidades, vivências e contradições sociais criaram cada rosto que se tornou célebre mas com várias nuances pela sua vida privada. Ana Bolena, Angela Davis, Frida Kahlo, Joana D'Arc, Simone de Beauvoir e Virginia Woolf são apenas alguns dos nomes destacados neste espetáculo onde é mostrada a contradição das mulheres perante o que estavam pré-destinadas. Todas lutaram pelos seus direitos, pelas desigualdades e vontades para se destacarem num mundo machista e recheado de dificuldades para com a diferença.

As vulnerabilidades e instabilidades do mundo feminino são retratadas nesta peça através de conversas íntimas entre três mulheres que se conhecem há duas décadas e que partilham memórias e experiências num trabalho onde a envolvência existe. A palavra áspera e sem cortes, as intimidades, a nudez sem complexos e os sonhos de cada mulher são evocados para contrariar tanto medo, receio e falta de poder numa sociedade fechada e onde as regras tinham de ser seguidas a favor das aparências. Debatendo o feminismo, o papel da mulher na sociedade, a violência doméstica, maternidade, abuso de mulheres, o corpo e o prazer, vários são os temas em destaque nesta representação.

Judite

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Rui Catalão é o criador de Judite, o espectáculo que se encontra na sala estúdio do Teatro D. Maria até 27 de Março. Com Ana Guiomar, Cláudia Gaiolas e Tiago Vieira a cena bíblica entre Judite e Holofernes é recontada segundo a visão do autor que sempre adapta cada trabalho às suas crenças. Sessão após sessão Judite de espada na mão e com o apoio da sua serva bem presente na história deixa Holofernes decapitado. A luta pelo amor com a tentativa de salvar o seu povo por parte de Judite contra a destruição e vontade de matar do general sem medo que convive diariamente com os seus soldados faz-se de forma densa para que tudo termine em desgraça onde o bem consegue sair valorizado sobre o mal. 

Confesso que esta é uma história complexa e que na sessão em que assisti onde uma turma escolar entrava directamente no que era contado em palco, com interrupções de Rui Catalão e alguns improvisos pelo meio, consegui ficar desorientado a meio do espectáculo que depois seguiu o seu rumo sem mais percalços. 

No que toca aos atores não existem palavras para elogiar, mais uma vez, o excelente trabalho desempenhado por Ana Guiomar. Esta jovem actriz é a melhor da sua geração em cima de um palco e disso não tenho dúvidas, tal como Catalão não as teve na hora de a convidar para esta personagem. Tiago Vieira no início do espectáculo parece estar abaixo da sua companheira de palco mas conforme o tempo vai passando percebe-se então onde está o verdadeiro sentido desta presença. Uma personagem em crescendo num actor que dá o tudo por tudo para demonstrar a loucura presente em palco de forma gradual. Cláudia Gaiolas tem consigo a presença mais solitária mas que com simples gestos e olhares consegue mostrar a sua atitude perante a situação que vai decorrendo à sua volta. Um bom elenco num espectáculo que a meu ver peca pela presença de jovens que acabam por destabilizar a concentração do público que consegue perder o fio condutor por surgirem risos e ruídos de conversas em baixo som,...